Goiás perde 6,6 mil doadores de medula óssea
Coleta de amostras foi feita entre 2010 e 2012. Outras 5,9 mil correm risco também de serem perdidas

A falta de estrutura do Hospital Santa Casa de Misericórdia de Goiânia já fez Goiás perder 6,6 mil doadores voluntários de medula óssea. A situação pode piorar ainda mais. Do total de 12,5 mil amostras de sangue coletadas entre 2010 e 2012 na unidade de saúde, 5,9 mil (47%) ainda estão congeladas à espera de exame necessário para identificar os dados genéticos dos doadores que podem influenciar nos transplantes e fazer o cadastro deles no registro do Instituto Nacional do Câncer (Inca). Há risco de mais amostras se perderem por causa da demora do teste de laboratório. As 6,6 mil amostras foram descartadas porque parte de seus donos não foi identificada em um novo recadastramento e outra parcela disse que não quer mais ser doadora, de acordo com a assessora técnica do Hospital Santa Casa da Misericórdia de Goiânia, a biomédica Junelle Paganini. Segundo ela, o restante das amostras, coletadas há pelo menos quatro anos, será processado em laboratório, para que depois as pessoas sejam cadastradas no Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome). A perda de amostras de sangue, no entanto, deve ser ainda maior. O Inca alerta que elas podem ficar armazenadas por meses, mas, depois de um ano, é provável que percam a viabilidade. Para tentar diminuir o prejuízo, o hospital enviou 70 amostras para fazer um teste inicial no Laboratório de Imunologia de Transplantes de Goiás (HLAGYN), que hoje no Estado realiza o exame, chamado de histocompatibilidade. A equipe do hospital se esforça para salvar as amostras. “Precisamos saber se está tudo certo ou se vai precisar de recoleta, porque o sangue está guardado desde 2010 e 2012”, acentua a assessora técnica da unidade de saúde. “O sangue está congelado. A gente não pode ficar congelando e descongelando porque pode perder as amostras”, emenda ela. Impedimento A hospital realizava os exames porque tinha a intenção de assumir o serviço em Goiás, mas a falta de estrutura impediu a continuidade dos testes. “Esse estudo, como era dentro da Santa Casa, era nosso. Fazia a coleta e a tipificação do sorotipo e do genótipo para doação”, explica o diretor técnico da Santa Casa de Misericórdia de Goiânia, José Alberto Alvarenga, reconhecendo a dificuldade de encontrar doador de medula óssea compatível. A Ordem dos Advogados do Brasil em Goiás (OAB-GO) informa que vai encaminhar o caso para o Ministério Público Federal (MPF) e para a Justiça Federal, para que tomem as devidas providências. No total, 253 pacientes precisaram do transplante desde 2010, 23 deles só este ano, segundo o Registro Nacional de Receptores de Medula Óssea (Rereme). No País, foram 8.504 no período.
Central de transplantes aponta déficits de hospital
O déficit de investimentos financeiros e técnicos do Hospital Santa Casa de Misericórdia de Goiânia contribuíram para que a unidade de saúde parasse de realizar os testes de histocompatibilidade, de acordo com o gerente da Central de Transplantes e Captação de Órgãos de Goiás, Luciano Leão. O problema de falta de estrutura castiga pacientes. A Santa Casa, conforme explica Leão, começou a montar uma equipe com técnicos de fora do Estado, para fazer a coleta das amostras e o cadastramento junto ao Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome). “Como (o exame) exige alto investimento, tanto financeiro quanto técnico, não conseguiram levar adiante. As amostras coletadas ficaram guardadas, conforme a legislação, direitinho, mas não foram cadastradas no Redome”, afirma ele. O diretor-geral do Hemocentro de Goiás (Hemogo), Mauro Silva, diz que todas as amostras devem ser encaminhadas para o exame para fazer o cadastro no Redome, caso não tenham se perdido por causa da demora. Ele ressalta que o caso da Santa Casa é uma exceção, já que todas as coletas de sangue feitas no Hemogo estão sendo encaminhadas regularmente para o teste de labora tório. Leão acredita, contudo, que pode haver dificuldade para normalizar a situação. “Vai demandar um tempo”, assevera ele, ressaltando que o Ministério da Saúde fixou limites para os Estados fazer registro de doadores no Redome. No caso de Goiás, o quantitativo previsto é de 12 mil novos cadastros por ano “A gente não tem como criar quantitativo além, que ultrapasse os 12 mil, porque o ministério não vai custear”, afirma o gerente da central. Em março de 2015, uma decisão do juiz federal Urbano Leal Berquó Neto, da 8ª Vara Federal de Goiânia, declarou a inconstitucionalidade do teto. Em nota ao POPULAR, o Ministério da Saúde informa que cumpre a decisão judicial que elimina teto de cadastros no Redome para o Estado. Caso os cadastros ultrapassem o limite estabelecido pela portaria 2.132/2013, o excedente será custeado pela pasta do governo federal, diz o texto em email.
Demora do exame em amostras é “gravíssima”, afirma advogada
A demora do exame em amostras de sangue é uma “situação gravíssima”, avalia a presidente da Comissão de Direito Médico, Sanitário e Defesa da Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil em Goiás (OAB-GO), Ana Lúcia Amorim Boaventura. A advogada diz que a instituição deve tomar providências para apurar o caso. “A perda de amostra é uma violação ao direito do doador de dispor do seu próprio corpo gratuitamente em prol do próximo que necessita dessa doação para sobreviver”, afirma ela, ressaltando que a doação de medula óssea tem relação direta com o direito constitucional à vida. “Percebo violação do principal bem que deve tutelado pelo estado. É uma atitude gravíssima, não somente contra a vítima mas também contra toda a família do enfermo, que o vê perecer numa busca desesperada de doador. A demora do Estado é letal ao paciente vítima de leucemia”, acentua ela. Chefe do Serviço de Transplante de Medula Óssea e Hematologia do Hospital Araujo Jorge, o médico César Bariani explica que, na população brasileira, a chance de um paciente encontrar um doador fora da família é torno de 1 milhão de pessoas em média. Ele também lembra que o número de transplante tem aumentado muito no Brasil. Bariani também pontua que o Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome) precisa ter apenas uma quantidade de doadores representativa de cada região, por causa da miscigenação, relacionando com número da população de cada área. “Não adianta ter número expressivo de doadores numa região só. Porque começa a concentrar o HLA nessa região e deixa de abranger alguma modificações que possam existir de acordo com as características genéticas das demais regiões”, comenta Bariani. O médico ressalta, ainda, que o cadastro nacional é um dos maiores do mundo.
