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Medicina e Direito do Trabalho de mãos dadas

Ana Lúcia Amorim Boaventura

Publicado no jornal Diário da Manhã em 15 de Dezembro de 2012

Publicado no site Rota Jurídica em 23 de Janeiro de 2013

Em razão da consulta formulada por uma médica do trabalho da Petrobrás, o Conselho Federal de Medicina – CFM – publicou recentemente um parecer (nº 26/12) sobre a solicitação de exames para monitoramento de drogas ilícitas para fins de acesso ao trabalho. Como já é de praxe, e merece louvor de toda sociedade, o CFM está sempre atento à proteção de direitos fundamentos dos pacientes e, nesse caso, tutelou o direito constitucional à intimidade, uma vez que reprova tais medidas.



Ocorre que o referido parecer fala também no álcool, droga lícita, e o exercício de algumas profissões associadas a esta substância, fatalmente, coloca em risco a coletividade. Um exemplo é a profissão de motorista. Todos nós sabemos que álcool e direção não combinam. A Lei 12.619/12, que regulamenta esta atividade laboral, alterou o artigo 235-B da CLT dizendo: “São deveres do motorista profissional: VII – submeter-se a teste e a programa de controle de uso de droga e de bebida allcóolica, instituído pelo empregador, com ampla ciência do empregado.”

Ora, o legislador está em total sintonia com a Organização Internacional do Trabalho – OIT – que já dizia desde 1995, através de um manual de recomendações práticas, que o local de trabalho é um ambiente propício para o combate e prevenção de problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas.

E não poderia ser diferente. A droga no ambiente de trabalho coloca em risco o trabalhador dependente, seus colegas, a empresa e, não raras vezes, terceiros não envolvidos diretamente com a cadeia produtiva. A OIT afirma que trabalhadores dependentes químicos tendem a se envolver mais em acidentes de trabalho e a se ausentarem mais do ambiente laboral que outros trabalhadores.



Sensíveis a esta realidade, penso que as empresas devem atuar, pois caso haja um dano causado por um de seus empregados, devem responder e suportar os prejuízos advindos desse evento perante o próprio empregado acidentado ou sua família e perante terceiros, se for o caso. Logo, em razão dessa responsabilidade civil e também social, a empresa não pode quedar-se inerte, devendo, conforme legislação vigente, agir. É a regra de que os direitos coletivos devem se sobrepor aos individuais.



Porém, é preciso lembrar que o parecer trata de tais exames para acesso ao trabalho, não discorrendo sobre tais análises durante a vigência do contrato de trabalho, como é o caso do artigo da CLT acima citado. Logo, a realização de exames toxicológicos em fase admissional certamente encampará atitudes discriminatórias por parte das empresas. É o que também diz a Lei 9.029/95 que proíbe, em seu artigo 1º, a adoção de quaisquer práticas discriminatórias e limitativas de acesso ao trabalho.



Alice Monteiro de Barros, em sua obra “Proteção à intimidade do empregado”, editora LTr, cita que a OIT editou em 1996 um Repertório de Recomendações Práticas sobre a Proteção dos Dados Pessoais dos Trabalhadores, de caráter não obrigatório, que diz que “os exames toxicológicos só deverão ser realizados de conformidade com a legislação e práticas nacionais ou com as normas internacionais”. O Repertório vai mais além, segundo a referida doutrinadora. Ele diz que “os exames médicos só poderão ser exigidos de conformidade com a lei nacional, respeitando-se o segredo médico, os princípios gerais da saúde e segurança do trabalho.”



E por falar em sigilo médico, o Código de Ética Médica em seu artigo 76 veda o médico de “revelar informações confidenciais obtidas quando do exame médico de trabalhadores, inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou de instituições, salvo se o silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade.” Assim, o profissional médico poderá quebrar o sigilo em prol da proteção de terceiros. Porém, é necessário salientar que, o médico deverá se restringir a expor o mínimo possível seu paciente, limitando-se a declarar a inaptidão do trabalhador.



Assim, levando em consideração a proteção da intimidade do trabalhador, a Lei 9.029/95, que apesar de não proibir expressamente tais exames admissionais, veda atitudes discriminatórias de acesso ao trabalho, concluo que o CFM não errou e nem sequer violou o ordenamento jurídico através do parecer em comento. O artigo 235-B, VII, da CLT, aqui analisado, nos remete a exames periódicos, ou seja, exames feitos no curso do contrato de trabalho dos motoristas e não para fins admissionais. Tanto é assim que os outros incisos também fazem menção às infrações no exercício da profissão. Inclusive, o artigo fala que a não submissão, por parte do motorista, ao teste e ao programa de controle de uso de álcool, acarretará infração disciplinar, passível de penalização. Pune-se então quando existe o vínculo laboral e a favor de um programa recomendado pela OIT”.



Os pareceres de uma maneira geral têm caráter opinativo e de esclarecimento. Logo, o CFM apenas recomenda que os médicos a não solicitem tais exames. Porém, sabemos que, futuramente, tal opinião poderá ensejar uma Resolução, passando a ser passível de condenação.


Dizer que o parecer não se preocupou com a coletividade é uma afirmação superficial. E não são os dependentes de álcool e drogas um grupo que carece de proteção?  Felizmente o CFM se posicionou com muita coragem contra empresas que não se cansam de adotar práticas violadoras de direitos. É a Medicina que vai além dos limites dos hospitais e consultórios e exerce seu papel social.

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